Sobre o que aqui se passou nessa trágica manhã do Dia de Todos os Santos, transcrevemos uma notícia publicada na revista "Gazeta de Lisboa", nº I, de quinta-feira, 1 de Janeiro de 1756. Para não prejudicar o sabor da curiosa descrição, apenas se actualiza a grafia de algumas palavras, de modo a tornar mais fluente a sua leitura.

“o dia I do corrente, entre as 9 e 10 horas da manhan se sentiu no campo vizinho desta Villa hum ruído subterrâneo semelhante ao que fazem as ondas do mar furioso nos cachopos da barra de Lisboa, e se percebeu, que começava da parte do nascente; foi-se chegando para mais perto, e nam só começava a cair as paredes, e valados das vinhas, e fazendas mas a mesma terra a mover-se de maneira debaixo dos pés das pessoas, que nella estavam, que lhes perturbou a vista, e lhes custou cuidado sustentarem-se em pé; porque até as pedras que estavam no caminho se moviam de sorte, que parecia, que ferviam e dançavam, chegou também primeiro a esta Villa o estrondo subterrâneo, que o terramoto. Entenderam os que ignoravam a causa, que era uma carruagem, que rodava com força pelas ruas, e imediatamente se sentiu o tremor, e se viram os seus efeitos. Achava-se a este tempo muita parte da gente nas Igrejas, para ganhar o jubileu, e entendendo, que ellas se arruinavam, fugiu precipitadamente para a rua, e a seguiram os mesmos Sacerdotes, que estavam celebrando a Missa, na fórma em que se achavam paramentados. Cresceu a violência do terramoto de modo, que deixou atónitos, e consternados mais aos que se viam nas ruas, que aos que estavam em suas casas vendo os movimentos, que faziam as casas, as Igrejas e as torres: a grande do Castello, que he muito alta, e de grossura extraordinária as suas paredes, padeceu tam grandes balanços, que sacudiu de si as suas ameyas, e lançou de si tanta poeira, que formou huma nuvem: a de Santa Maria fez o mesmo, expulsando de si a pedra do remate do seu Zimbório, deixando arruinada huma parte delle. O Convento de S. Francisco teve hum lanço do Claustro demolido, abriu-se-lhe a abóbada da Igreja, inclinou-se o seu frontispício para a parte da rua (de maneira, que cahíu a coroa da cabeça da Imagem de N.ª Senhora que nella se venera) e tornou a por-se no seu lugar: a torre se abriu pelo campanário, e despegou o zimbório, que também tornou a pôr-se no seu próprio lugar. Os Religiosos desampararam o Convento; a gente que estava na sua Igreja sahiu para o largo do Espírito Santo onde cheia de terror esteve observando os vays vens da torre da sua Igreja, que foram mais de vinte, como se fosse huma cana movida do vento, e se atemorizou de maneira, que prostrada por terra pediu com piedosos clamores misericórdia ao Ceo, e nesta postura estiveram todos até sentirem o estrondo do zimbório da mesma torre, que em hum dos seus balanços o arrojou no cham, muitas cortinas de muralhas se separavam dos seus terraplenos, e se tornavam a unir com elles, deixando sempre vestígios da sua separaçam. Huma das suas guaritas se partiu horizontalmente pelo meyo, e a metade superior se voltou mais para Poente, sustentando-se sobre a inferior em huns ladrilhos, que lhe ficavam mais altos, junto à igreja de Santiago cahiu parte de huma canhoeira. De todas as cazas da Villa só humas nan abriram, cahiram algumas, e os tectos de outras. As edificadas ha menos annos padeceram mais aberturas, que as velhas. A fonte da Vêla cessou de correr durante o terramoto, e depois lançou agua turva. A da Mealhada ficou correndo em mayor quantidade e a de Alvada de Niza, a quem se contavam tres penas de agua, se lhe contam hoje tres aneis.”