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6/6/1880

Com a abertura oficial ao tráfego da linha férrea do "Ramal de Cáceres", realizou-se também neste dia a inauguração solene da Estação do Caminho de Ferro de Castelo de Vide, passando a vila e o concelho a dispor deste importante meio de transporte.


Esta nova via começara a ser construída a 15 de Julho de 1878, com base no contrato da concessão feita à Companhia Real dos Caminhos-de-ferro, sem encargos para o Estado, estabelecido no Decreto de 19 de Abril de 1877.  Este ramal, na parte portuguesa, passou a ligar a Linha do Leste, no sítio denominado Vale da Lama, no quilómetro 174.800,  ao Rio Sever, fronteira com a Espanha, num percurso de 71.849 metros, passando próximo e ao norte das vilas de Castelo de Vide e de Marvão. Atravessa os concelhos da Ponte de Sor, Alter do Chão, Crato, Nisa, Castelo de Vide e Marvão. Teve como principal finalidade o transporte de fosforites de Cáceres, para o Porto de Lisboa, objectivo garantido por contrato entre a Companhia Real dos Caminhos de Ferro e a empresa mineira, calculadas em 50.000 toneladas anuais, como mínimo, cujo preço de transporte e despesa de estação foi fixado em 4$680 reis por tonelada. Tinha ainda em vista o encurtamento da distância entre Lisboa e Madrid.

Como facilmente se compreenderá, foi grande o impacto que a vários títulos causou na região este empreendimento. Uma nova era começava. Desde logo, com o início dos trabalhos, as compras de terrenos, expropriações, prédios que era preciso atravessar, etc., "aquele perigoso monstro que iria atravessar os nossos campos, vomitando lume e pegando fogo por todo o lado", tudo era motivo de medos e preocupações. D. João da Câmara, engenheiro no levantamento dos terrenos para a construção da via, e instalado nessa altura em Castelo de Vide, deu com a sua comédia em três actos "Os Velhos", datada de Santo António das Areias, 1878-1879, uma curiosa imagem do que então se viveu por aqui.

A obra, entre a Torre das Vargens e a ponte do Rio Sever importou em 1.585080$668 réis, incluindo material circulante, com que se iniciou a exploração, sendo de 13811$940 réis o custo por quilómetro.  Foram construídos, 198 aquedutos, 16 pontes de 4 e 5 metros de luz, e cinco pontes de tabuleiro metálico de 10 metros de abertura cada uma, e ainda cinco pontes com tabuleiros e pilares metálicos, entre as quais as que transpõem a Ribeira de Nisa, a Ribeira da Vide e o Sever, rio que faz a fronteira com a Espanha.

A circulação de pequena velocidade teve início em 15 de Outubro de 1879, e toda a circulação em 24 de Maio de 1880 , fazendo-se nesta data, 6 de Junho deste mesmo ano,  a inauguração oficial.

A cerca de 4 quilómetros da vila, no sítio das Fontaínhas,  com a sua gare virada a norte,  ficando à direita das composições que se dirigem para os lados de Espanha, e servida do lado oposto pela Estrada Nacional, começava então a estação de Castelo de Vide a viver a sua história.

Foram assim crescendo desde logo os passageiros e as mercadorias. Para ela se dirigiam em charabãs, breques,  ou outros transportes da época, com os que pretendiam seguir para Lisboa ou qualquer ponto do país, ou mesmo para Espanha, com as bagagens, os farnéis, os seus guarda-pós, para proteger o fato da fuligem do carvão, etc. Entretanto, começou a chegar ali diariamente, de manhã cedo, o comboio conhecido pelo "comboio do peixe" que, além de passageiros e outras mercadorias, nos trazia de Lisboa o peixe fresco para o abastecimento geral. Ali acorriam de madrugada e pelo dia fora buscando e levando mercadorias, as carroças, com o típico ruído dos rodados, do tchinca-tchinca das cangas nos varais, de trotes e guizeiras. Uma delas incumbida da mala do correio, encomendas etc., a mesma que à tarde o fazia em sentido contrário. Mais tarde vieram os automóveis, os particulares, os "carros de praça" (os "carros de alugo"), as camionetas da Empresa de Viação Murta, com os seus compridos focinhos, e o "Serviço Combinado com a C.P.", etc., mas sempre, sempre, aquele fascínio do comboio que chega ou vai partir.

Na gare e junto à parede da Estação há caixas e cestas, grades cheias de galinhas tristes, atados de coelhos e perdizes, no tempo da caça, alcofas cosidas donde sai a cabeça do peru, que vai viajar vivo, por alturas do Natal,  tudo para despacho neste comboio ou no próximo. Distribuem-se à beira da gare os que vão viajar, atentos às bagagens "vê lá se está tudo!", com família e amigos que vêm à despedida, “escreve, ouviste?", e o factor passa dizendo "a 2ª hoje vem à retaguarda", e tudo se chega mais para lá. Vão-se dando entretanto as últimas recomendações aos que ficam ou aos que vão, "guardaste bem o bilhete? Vê lá!", "Diz ao compadre que volto na sexta-feira". "Já lá vem!", "já lá vem!". Chega o comboio, tudo se acomoda, o chefe apita, a locomotiva responde, rangem e chiam os ferros, põe-se em marcha e na gare ficam mais uns "boa viagem!", "dá lá recomendações a todos!", “bem encaminhados!", e a Estação fica deserta até que pare outro comboio.

As chegadas sempre trazem outra emoção, são um encontro e não uma separação.  À espera, deambulando pela Estação, vai-se ouvindo: "traz 25 minutos de atraso", ouve-se a corneta "deu agora partida do Peso", e espera-se pacientemente. "Já se ouve", "vem ali à subida do Mascarro", até que, pesadona e resfolgando, a máquina surge arrastando carruagens e vagões. Abrem-se as portas, "deixa que eu seguro a mala", "estou aqui!", "olá! Toma já esta caixa","está tudo?", e pouco depois, bagagens no chão, esquecendo o comboio e o chefe que já lhe dá partida, há abraço que ferve, beijos, e logo ali perguntas e respostas, as primeiras novidades que se trazem e que se vêm encontrar, até que tudo se afunila para a porta da saída e se vai acomodar nos transportes para a vila. Uns mais rápidos, outros mais lentos, lá vão galgando todos a Canada da Moura, aliviando-se do esforço da subida ao encontrar a Capela da Senhora da Luz e o cruzeiro, para mais adiante, depois da Fonte Nova e do Martinho, retomarem o íngreme da estrada,  ao Pontão da Baía, até se chegar à vila.

A gare de Castelo de Vide está decorada com cinco belos painéis de azulejo, da autoria de Jorge Colaço, que o Município encomendou e mandou colocar. Foi galardoada duas vezes, um 3º Prémio no Concurso das Estações Floridas de 1948, promovido pelo SNI - Secretariado Nacional da Informação – e em 1971, no Concurso das Estações bem Cuidadas, Região Centro, outro 3º Prémio. As respectivas inscrições podem ver-se na empena do lado poente da Estação, a que dá para o jardim.

Cento e tal anos depois o movimento de passageiros e de mercadorias são quase nulos. A residência do chefe raramente tem morador, no escritório escasseiam os papéis e o guichet não faz negócio. Na sala de espera ninguém espera por ninguém. A zona do público e a gare vivem da recordação dos tempos em que se enchiam. O relógio de corda já não vai tendo a quem mostrar as horas e o pequeno jardim, que teima ainda em florir rosas e amores-perfeitos, já poucos se gozam dele.

Se aquelas pedras falassem, contariam muitas partidas e chegadas, quer de gente importante, com grandes recepções e grandes despedidas, com bandas de música e até foguetes,  quer de simples e anónimas alegrias ou tristezas ali vividas. Tantas vezes assim aconteceu, em tempos que já vão ficando longe.


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